sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Insegurança e crises



       Esboroam-se, sob os camartelos das revoluções hodiernas, os edifícios da tradição   ultramontana,   cedendo   lugar   às   apressadas   construções   do desequilíbrio, sem memória ancestral, sem alicerce cultural. 
       Ruem, diante dos abalos da ciência tecnológica, o empirismo passadista e as  obras  da  arbitrária  dominação  totalitária,  substituídos  pelo  alucinar  das novas maquinações de aventureiros desalmados, perseguindo suas ambições imediatistas a prejuízo da sociedade, do indivíduo.
       A política desgovernada exibe os seus corifeus, que se fazem triunfadores de  um  dia,  logo  passando  ao  anonimato,  repletos  de  gozos  e  valores perecíveis,  a  intoxicar-se  nos  vapores  dos  vícios  e  das  perversões  em  que falecem os últimos ideais que ainda possuíam. 
       Os  direitos  humanos  decantados  em  toda  parte  sofrem  o  vilipêndio daqueles que os deveriam defender, em razão do desrespeito que apresentam diante  das  leis  por  eles  mesmos  elaboradas,  em  desprezo  flagrante  às Instituições que se comprometeram socorrer, por descrédito de si próprios. 
       A anarquia substitui a ordem e as transformações sociais apressadas não têm  tempo  de  ser  assimiladas,  porque  substituídas  pelos  modismos  que  se multiplicam em velocidade ciclópica. 
        Velhos   dogmas,   nascidos   e   cultivados   no   caldo   da   ignorância,   são esquecidos e nascem as idéias liberais revolucionárias, que instigam o homem fraco contra o seu irmão mais forte gerando ódios, quando deveriam amansar o lobo ameaçador, a fim de que, pacificado, pudesse beber na mesma fonte com 
o cordeiro sedento, que lhe receberia proteção dignificadora. 
         As circunstâncias externas do inter-relacionamento das criaturas, fenômeno conseqüente ao desequilíbrio do indivíduo, engendram no contexto hodierno a insegurança, que fomenta as crises. 
         Sucedem-se,  desse  modo,  as  crises  de  autoridade,  de  respeito,  de honradez, de valores ético-morais, e a desumanização da criatura assoma nos painéis  do  comportamento,  insensibilizando-a  pelo  amolentamento  emocional ou  exacerbação,  na  volúpia  do  prazer  e  da  violência  conduzidos  pelas 
ambições desmedidas. 
          As crises respondem pela desconfiança das pessoas, umas em relação às outras,  pelo  rearmamento  belicoso  de  uns  indivíduos  contra  os  outros,  pela agressividade automática e atrevida. 
          A queda do respeito que todos se devem, respeito este sem castração nem temor,  estimula  a  indisciplina  que  começa  na  educação  das  gerações  novas, relegadas  a  plano  secundário,  em  que  se  cuidam  de  oferecer  coisas,  em mecanismos  sórdidos  de  chantagem  emocional,  evitando-se  dar  amor,  presença, companheirismo e orientação saudável. 
          A  crise  de  autoridade  responde  pela  corrupção  em  todas  as  áreas,  sob  a cobertura daqueles que deveriam zelar pelos bens públicos e administrá-los em favor  da  comunidade,  pois  que,  para  tal  se  candidataram  aos  postos  de comando, sendo remunerados pelos contribuintes para este fim. 
          Como efeito, os maus exemplos favorecem a desonestidade, discreta e pública, dos membros esfacelados do organismo social enfermo, preparando os bolsões  de  miséria  econômica,  moral,  com  todos  os  ingredientes  para  a rebelião criminosa, o assalto a mão armada, o apropriamento indébito dos bens alheios,  a  insegurança  geral.  O  que  se  nega  em  compromisso  de  direito,  é tomado em mancomunação da força com o ódio. 
           Mesmo  os  valores  espirituais  do  homem  se  apresentam  em  crise  de pastores,  e  amigos,  capazes  de  exercerem  o  ministério  da  fé  religiosa  com serenidade,  sem  separativismo,  com  amor,  sem  discórdia  na  grei,  com fraternidade, sem disputas da primazia, sem estrelismo. 
           Nas  várias  escolas  de  fé  espocam  a  rebelião,  as  disputas  lamentáveis,  a maledicência ácida ou o distanciamento formando quistos perigosos no corpo comunitário. 
           O  homem  apresenta-se  doente,  e  a  sociedade,  que  lhe  é  o  corpo  grupal, encontra-se desestruturada em padecimento total. 
           As crises gerais, que procedem da insegurança individual, são, por sua vez, responsáveis por mais altas e expressivas somas de desconforto, insatisfação, instabilidade emocional do homem, formando um círculo vicioso que se repete, sem aparente possibilidade de arrebentar as cadeias fortes que o constituem. 
           Vitimado por sucessivos choques desde o momento do parto, quando o ser é  expulso  do  claustro  materno,  onde  se  encontrava  em  segurança,  este enfrenta, desequipado, inumeráveis desafios que não logra superar. Chegando a  idade  adulta,  ei-lo  receoso,  desestruturado  para  enfrentar  a  maquinaria 
insensível  dos  dias  contemporâneos,  em  que  a  eletrônica  e  a  robótica  são conduzidas,  porém,  avançam,  tomando  o  controle  da  situação  e,  lentamente, reduzindo-o a observador das respostas e imposições digitadas, apertando ou desligando  controles  e  submetendo-se  aos  resultados preestabelecidos,  sem emoção, sem participação pessoal nos dados recolhidos. 
           Noutras  circunstâncias,  ou  em  estado  fetal,  experimenta  os  choques geradores de insegurança, no comportamento da gestante revoltada diante da maternidade não desejada e até mesmo odiada. 
           O jogo de reações nervosas, as vibrações deletérias da revolta contra o ser em     formação,     atingem-lhe     os     delicados     mecanismos     psíquicos, desarmonizando  os núcleos  geradores  do futuro equilíbrio,  sob  as  chuvas  de raios destruidores, que os afetam irreversivelmente. 
           O que o amor poderia realizar posteriormente e a educação lograr em forma de psicoterapia, ficam, à margem, sob os cuidados de pessoas remuneradas, sem   envolvimento   emocional   ou   interesse   pessoal,   produzindo   marcas profundas de abandono e solidão, que ressurgirão como traumas danosos no 
desenvolvimento da personalidade. 
           A par dos fatores sócio-mesológicos, outras razões são preponderantes na área  do  comportamento  inseguro,  que  são  aquelas  que  procedem  das reencarnações  anteriores,  malogradas  ou  assinaladas  pelos  golpes  violentos que foram aplicados pelo Espírito em desconcerto moral, ou que os padeceu nas rudes pugnas existenciais. 
           Assinalando   com   rigor   a   manifestação   da   afetividade   tranquila   ou desconfiada,  aquelas  impressões  são  arquivadas  no  inconsciente  profundo, graças aos mecanismos sutis do perispírito. O homem é um ser inacabado, que a atual existência deverá colaborar para o aperfeiçoamento a que se encontra destinado.  Faltando-lhe  os  recursos  favoráveis  ao  ajustamento,  torna-se  uma peça mal colocada ou inadaptada na complexidade da vida social, somando à sua   a   insegurança   dos   outros   membros,   assim   favorecendo   as   crises individuais e coletivas. 
          Por   desinformação   ou   fruto   de   um   contexto   imediatista   consumista, elaborou-se  a  tese  de  que  a  segurança pessoal  é  o  resultado  do ter,  que  se manifesta  pelo  poder  e  recebe  a  resposta  na  forma  de  parecer.  Todos  os mecanismos  responsáveis  pelo  homem  e  sua  sobrevivência  se  estribam 
nessas  propostas  falsas,  formando  uma  sociedade  de  forma,  sem  profundidade, de apresentação, sem estrutura psicológica nem equilíbrio moral. 
         Trabalhando  somente  no  exterior,  relega-se,  a  plano  secundário  ou  a nenhum, o sentido ético do ser humano, da sua realidade intrínseca, das suas possibilidades futuras, jacentes nele mesmo. 
          O  homem  deve  ser  educado  para  conviver  consigo  próprio,  com  a  sua solidão, com os seus momentâneos limites e ansiedades, administrando-os em proveito  pessoal,  de  modo  a  poder  compartir  emoções  e  reparti-las,  distribuir conquistas, ceder espaços, quando convidado à participação em outras vidas, ou pessoas outras vierem envolver-se na sua área emocional. 
          Desacostumado à convivência psíquica consciente com os seus problemas, mascara-se  com  as  fantasias  da  aparência  e  da  posse,  fracassando  nos momentos em que se deve enfrentar, refletido em outrem que o observa com os  mesmos  conflitos  e  inseguranças.  As  uniões  fraternais  então  se  desar-
ticulam, as afetivas se convertem em guerras surdas, o matrimônio naufraga, o relacionamento  social  sucumbe  disfarçado  nos  encontros  da  balbúrdia,  da extravagância, dos exageros alcoólicos, tóxicos, orgíacos, em mecanismos de fuga da realidade de cada um. 
          A educação, a psicoterapia, a metodologia da convivência humana devem estruturar-se  em  uma  consciência  de  ser,  antes  de  ter;  de  ser,  ao  invés  de poder, de ser, embora sem a preocupação de parecer 
          Os valores externos são incapazes de resolver as crises internas, aliás, não poucas vezes, desencadeando-as. 
           O   que   o   homem   é,   suas   realizações   íntimas,   sua   capacidade   de compreender-se, às pessoas e ao mundo, sua riqueza emocional e idealística, estruturam-no  para  os  embates,  que  fazem  parte  do  seu  modus  vivendi  e operandi, neste processo incessante de crescimento e cristificação. 
           A  coragem  para  os  enfrentamentos,  sem  violência  ou  recuos,  capacita-o para  os  logros  transformadores  do  ambiente  social,  que  deslocará  para  o passado  a  ocorrência  das  crises  de  comportamento,  iniciando-se  a  era  de construção ideal e de reconstrução ética, jamais vivida antes na sua legitimidade. 
           Os   conceitos   do   poder   e   da   força   estão   presentes   na   sistemática governança dos povos. 
           Sempre  os  militares  governaram  mais  do  que  os  filosóficos,  e  o  poder sempre  esteve  por  mais  tempo nas mãos dos  violentos  do  que na  sabedoria dos  pacíficos,  gerando  as  guerras  exteriores,  porque  os  seus  apaniguados viviam  em  constantes  guerras  íntimas,  inseguros,  aguardando  a  traição  dos fracos  que,  bajuladores,  os  rodeavam,  e  a audácia  dos mais fortes,  que  lhes ambicionavam o poderio, terminando, quase todos, vítimas das suas nefastas urdiduras. 
          A   segurança   íntima   conseguida   mediante   o   autodescobrimento,   a humanização  e  a  finalidade  nobre  que  se  deve  imprimir  à  vida  são  fatores decisivos  para  a  eliminação  das  crises,  porqüanto,  afinal,  a  descrença  que campeia e o desconcerto que se generaliza são defluentes do homem moderno que  se  encontra  em  crise  momentânea,  vitimado  pela  insegurança  que  o aturde. 




O Homem Integral - Joanna de Angelis
Psicografado por D. P. Franco

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